Savills Blog

Entrevista a Nuno Oliveira, CEO da NBI - Natural Business Intelligence

O Nuno tem um percurso notável no que à biodiversidade diz respeito. Foi o primeiro gestor de ecossistemas de que há registo em Portugal, professor, entre outros… como surge a NBI neste processo?

Bem, não sei se é notável, mas tem sido, certamente, animado! A NBI nasce de um sonho que vem desde a infância, do tempo em que via documentários sobre o mundo natural e percebi que muitas daquelas maravilhas estava a desaparecer. Cedo tentei perceber porque é que a humanidade estava a destruir algo que me parecia tão valioso e insubstituível, e percebi que o ‘truque’ era colocar a Natureza no centro de cada decisão política e de negócio. O nome explica tudo: Natural, porque esta é a nossa maior riqueza e representa tudo o que nos sustém; Business, porque acredito num progresso e bem-estar em que a economia devolve ao sistema tanto ou mais do que consome, criando um processo virtuoso; e Intelligence, que não é mais do que a ciência de interpretar dados e transformá-los em informação. Ou seja, a NBI era uma inevitabilidade.

De que forma é que a abordagem da NBI à business intelligence está alinhada com práticas sustentáveis e com a conservação da natureza?

Da forma mais natural possível, pois todo o nosso trabalho se baseia nos princípios fundamentais da sustentabilidade nas suas múltiplas dimensões – não gostamos de usar a definição de pilares, é demasiado estática, quando na verdade são dimensões que se adaptam, misturam e evoluem. Quer seja na perspetiva dos ODS, onde o mais óbvio será o ODS 15 – vida terrestre, tanto na integração de vários outros como os ODS 1 (pobreza) e 2 (fome zero), onde a Natureza contribui para o sustento direto de milhões de pessoas, como nos ODS 6 (água e saneamento), 7 (energia limpa), 9 (indústria e inovação) e 12 (economia circular) onde as soluções de base natural, a engenharia ecológica e as práticas regenerativas oferecem possibilidades infinitas, como, obviamente, no ODS 12 (clima) em que é por demais evidente de que de nada nos vale descarbonizar se não tivermos a Natureza a contribuir para ‘limpar a casa’ e tirar o excesso de carbono da atmosfera e o transformar em ativos biológicos duráveis, entenda-se, biodiversidade e ecossistemas funcionais. A verdadeira pergunta deve ser qual a componente da sustentabilidade que não depende da Natureza, e a resposta vai ser (mesmo) muito curta.

Como prevê a NBI a integração de princípios naturais na realidade das empresas, e qual o papel que pretendem desempenhar nesta evolução?

O tema da Natureza deixou de ser acerca de algo que está ‘lá fora’ ou algo esverdeado que cola bem com o marketing. O simples facto de ainda debatermos a importância da Natureza na gestão estratégica das empresas mostra que estamos ‘atrasados no trabalho de casa’ e que temos de analisar com maior rigor e profundidade os nossos modelos de risco de negócio e de impacto social. Qualquer empresa, ainda mais no setor imobiliário ou da construção, tem que ter clara a materialidade da ecologia enquanto fator determinante de riscos e oportunidades de negócio, quer seja na perspetiva do procurement e rastreabilidade da cadeia de abastecimento e de boas práticas dos fornecedores de bens e serviços, como na ótica do seu contributo para o progresso societal através do aumento das amenidades ambientais, como a redução de emissões e poluição, assim como do fomento do valor ecológico dos seus ativos, através da valorização pela aplicação de soluções de base natural (Nature-based Solutions) na recuperação e restauro ecológico de espaços verdes multifuncionais, de linhas de água e zonas húmidas ou matrizes de vegetação de interface urbana, entre outras opções.

Mas o tema não fica, de todo, por aqui. Estamos a atravessar um período de grande transformação da forma como reportamos sustentabilidade e de como o sistema financeiro perceciona a biodiversidade e os ecossistemas. Reportar Natureza deixou de ser um ‘nice to have’ e é agora um ‘need to have’, pela inevitabilidade de alinhamento com a taxonomia europeia, conforme definida pelo enquadramento metodológico da ESRS (European Sustainability Reporting Standarts) e a diretiva CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive), um processo fundamental para que a empresa possa reportar – e gerir – efetivamente os seus critérios ESG. O chamado ‘tsunami regulatório’ tem um foco inaudito na necessidade imperiosa de reportar biodiversidade, serviços dos ecossistemas e capital natural, onde não basta mostrar boas intenções, mas sim definir claramente baselines e indicadores de impacto e ação. O que é muito positivo, pois, de uma vez por todas, vai ser possível as empresas poderem materializar qual o seu contributo para a regeneração ecológica, num momento em que se torna cada vez mais claro que estamos a enfrentar ‘crises gémeas’, onde as alterações climáticas e a perda de biodiversidade são faces da mesma moeda que pode traçar um destino muito sombrio para a humanidade. Einstein dizia que ‘Deus não joga aos dados’, mas parece que o nosso jogo favorito é mesmo a roleta-russa. Enquanto tardarmos a perceber que a Natureza é o que define a humanidade e o nosso destino, correto o risco de hipotecar as nossas hipóteses de ter os dados a nosso favor.

O conceito de "Natural Business Intelligence" pode ser relativamente novo para alguns. De que forma a NBI educa e envolve os clientes no que respeita aos benefícios e metodologias desta abordagem?

Com empatia, envolvimento e entusiasmo. O nosso papel, enquanto consultores está sempre balizado por uma enorme responsabilidade e uma necessidade de ‘desligamento’. Temos uma responsabilidade enorme de estamos a dar a nossa leitura e interpretação informada sobre como podemos melhorar processos, estratégias, planos e operações das empresas com quem trabalhamos, sempre tendo presente que, no ‘fim do dia’, são as pessoas que gerem a empresa que tem de tomar as decisões e assumir a responsabilidade das mesmas. Nunca nos podemos esquecer que o trabalho de consultoria tem consequências e que estas não terminam com a entrega do relatório. Isto é um processo simbiótico de confiança mútua e de evolução adaptativa que segue sempre para um passo seguinte, com ou sem consultores. O ‘desligamento’, por seu lado, é crucial para que o nosso trabalho seja feito sem preconceitos ou ‘receitas’, se nos prendermos ao que sabemos ou pensamos hoje, não vamos permitir que amanhã possamos ter uma opinião ou visão diferente dos problemas e oportunidades. A incerteza e a impermanência são conceitos muito bem definidos quer pela filosofia clássica como pelo budismo e filosofia zen e que tem sido fundamentais para o avanço da humanidade. Pode parecer algo ‘esotérico’, mas é assim que nos envolvemos com os nossos clientes e parceiros na discussão e análise desconstrutiva de como a Natureza (Natural) é fundamental para o desenvolvimento do negócio (Business) e a sua evolução adaptativa com base no conhecimento, experiência e valores (Intelligence).

Hoje ser Net Zero já não é suficiente, sendo que devemos trilhar um caminho rumo ao Net Positive. Na sua opinião, o nível de consciencialização das empresas em Portugal para esta necessidade está a aumentar?

Afinal não é mais do que um upgrade (muito) significativo de um modelo de capitalismo assente numa visão da democracia liberal. Isto não é uma afirmação política, mas sim filosófica, passo a explicar: os fundamentos do capitalismo assentam na dualidade da acumulação e circulação de capitais no sentido de gerar um aumento dos mesmos, em volume e valor. Até aqui tudo bem, mas o problema é que nos focámos apenas numa tipologia de valor: o financeiro. É que nem sequer foi no valor económico, pois a economia é algo muito maior do que as finanças, dado que se foca no progresso e bem-estar social, o que inclui benefícios e serviços imateriais, como os cuidados maternais ou a cultura, assim como as chamadas ‘externalidades’ como um clima estável, uma natureza funcional e um ambiente saudável, aspetos que sistematicamente não aparecem no PnL financeiro.

Em boa verdade, uma visão holística do capitalismo vai muito para além disso, inclui a circulação e valorização de capital social e de capital natural, ou seja, bens e serviços que a Natureza nos proporcional. Ou seja, um capitalismo virtuoso será aquele onde o investimento gera retorno a nível financeiro, económico, social e ecológico e em que a falha na ‘entrega’ de um destes valores representa um erro sistémico que precisa de ser reconhecido e reparado. A questão da democracia liberal não é de menor relevância, pois alia a importância da representatividade, pluralidade e equitabilidade social com a visão de empreendedorismo, capacitação e mobilização de recursos para enfrentar riscos e desafios e transformar os mesmos em oportunidades de progresso e melhoria das condições de vida. E isto é a definição de ‘Net Positive’, usar os recursos de forma inteligente e regenerativa, onde cada investimento feito representa um potencial benefício líquido a todos os níveis. Ser ‘Nature Positive’ significa ser ‘Climate, Human and Economy Positive’, esta era a peça que faltava para que estejamos nas melhores condições para enfrentar os desafios que temos pela frente.

Para si, ser Beyond Green é…?

Ver todas as cores, onde o verde é um elemento de ligação de uma complexa paleta de opções que temos à nossa disposição. Ser Beyond Green representa a transcendência de paradigma, em que, finalmente reconhecemos e aceitamos o nosso lugar na Natureza e fazemos brilhar a incrível capacidade humana de criar transformar e inovar a forma como vivemos em sociedade num mundo que floresce a cada passo que damos e onde deixamos de temer o futuro para o poder abraçar com ânimo, generosidade e empreendedorismo. 

Recommended articles